ASPECTOS PSIQUIÁTRICOS NA CIRURGIA BARIÁTRICA
A obesidade é amplamente reconhecida como um grande problema de saúde pública e é, indubitavelmente, uma preocupação mundial. O número de pessoas que possuem sobrepeso e obesidade vem rapidamente crescendo no Brasil e no mundo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as pessoas com 20 anos ou mais de idade que estão acima do peso (Índice de Massa Corporal - IMC>25 kg/m2), representa 40% da população total do país. A prevalência de obesidade grau III, isto é, obesidade mórbida (IMC>40 kg/m2) entre os brasileiros é estimada em 0,5 a 1% da população.1 A obesidade está relacionada ao aumento de comorbidades. Dentre estas, altas taxas de hipertensão, hipercolesterolemia, coronariopatias, diabetes, osteopatias, apnéia do sono, depressão e ansiedade são encontradas nos obesos.2 Deste modo, pacientes obesos vão mais freqüentemente à consulta médica do que a população em geral devido aos problemas acarretados pelo excesso de peso. A obesidade está associada também com aumento da mortalidade. Além do aumento de comorbidades ditas orgânicas, sobrepeso e a obesidade interferem significativamente na qualidade de vida relacionada à saúde (QdVRS) do indivíduo. A QdVRS de pacientes com obesidade severa pode ser prejudicada pela alta estigmatização social e baixas atividades social, sexual e física.3 No estudo Swedish Obebese Subjects (SOS) foi encontrado mais ansiedade e sintomas de depressão assim como um pensamento pouco positivo da vida entre os obesos. Este estudo também demonstrou que a qualidade de vida foi pior no grupo de pessoas com obesidade do que naqueles com pessoas portadoras de doenças crônicas.4 A perda de peso provoca uma melhora de muitos dos problemas gerados pela obesidade. Vários estudos têm mostrado esta melhora depois da cirurgia bariátrica. Alguns demonstram que mesmo pequenas perdas na faixa de 5 a 10% do peso corporal, levam a relevantes melhoras nas comorbidades.2-3 Como a obesidade é uma condição médica crônica de etiologia multifatorial, seu tratamento envolve vários tipos de abordagens. A orientação dietética, a programação de atividade física e o uso de fármacos anti-obesidade são os pilares principais do tratamento. Infelizmente, o tratamento para obesidade mórbida baseado em dieta é ineficaz na manutenção da perda de peso.5 A adição de farmacoterapia à dieta convencional não consegue perdas prolongadas na maioria dos indivíduos. A intervenção cirúrgica em si é apenas uma etapa do processo, e a menos complexa. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) aconselha que o paciente deva ser submetido ao procedimento somente quando o cirurgião estiver inserido numa equipe multidisciplinar. A equipe multidisciplinar mínima deverá ser composta de médico clínico, nutricionista e psicólogo. Além desses profissionais, a equipe multidisciplinar pode conter endocrinologista, psiquiatra, fisioterapeuta, educador físico e outros. As diversas especialidades que compõem a equipe multidisciplinar, exceto o cirurgião, são chamadas de especialidades coesas. Indicações e contra-indicações para a cirurgia bariátrica São candidatos ao tratamento cirúrgico pacientes com o IMC maior que 40 kg/m2 ou com IMC superior a 35 kg/m2 associado a comorbidade tais como apnéia do sono, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemias, dificuldades de locomoção e depressão, entre outras de difícil manejo clínico. A seleção de pacientes requer um mínimo de cinco anos de evolução da obesidade com fracasso dos métodos convencionais de tratamento realizados por profissionais qualificados.1 A avaliação psiquiátrica pré-operatória é normalmente solicitada quando algum membro da equipe, geralmente o psicólogo, identifica alguma sintomatologia que merece diagnóstico e se necessário intervenção. A entrevista é realizada com objetivo diagnóstico, baseado na queixa do paciente ou do profissional que encaminhou. Os diagnósticos mais freqüentes são aqueles relacionados aos transtornos de comportamento, como: transtornos alimentares; compras compulsivas; abuso de substâncias, principalmente o álcool; sintomas depressivos e ansiosos. Deve ficar clara a necessidade de avaliação clínica, laboratorial e psicológica de forma regular nos períodos pré e pós-operatório. Além disso, o paciente deve se comprometer com a realização de atividade física contínua. Contudo, observa-se um crescente abandono da equipe multidisciplinar e um abandono também do novo estilo de vida, adquirido logo após a cirurgia, já antes do primeiro ano de cirurgia.6 É possível prognosticar aqueles pacientes que terão uma evolução mais ou menos favorável, mas ainda nos faltam instrumentos que permitam essa adequada acurácia prognóstica, mostrando um julgamento clínico baseado em evidências.7 A mudança no estilo de vida é a etapa mais complexa e difícil do tratamento. Os estudos de seguimento demonstram reganho de peso nos 2 anos subseqüentes à cirurgia; e após 5 anos o reganho de peso atinge quase 100% do peso perdido, na metade dos pacientes submetidos à cirurgia.6-8 É importante que o paciente tenha a consciência que deverá mudar o seu estilo de vida. Terá que corrigir os seus hábitos alimentares, fazer atividade física regular e freqüentar os profissionais da equipe multidisciplinar nas datas agendadas, em todas as fases do tratamento. Só assim poderá garantir o sucesso no tratamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 1° Consenso Latino-Americano de Obesidade, Rio de Janeiro, Brasil, 1998. 2. Wolf AM, Falcone AR, Kortner B et al. BAROS: An effective system to evaluate the results of patients after bariatric surgery. Obes Surg 2000, v.10, p.445-50. 3. Arcila D, Velázquez D, Garmino R et al. Quality of life in bariatric surgery. Obes Surg 2002, v.12, p. 65-71. 4. Sullivan M, Karlsson J, Sjötröm L et al. Swedish Obese Subjects(SOS)-an intervention study of obesity. Baseline evaluation of health and psychosocial functioning in the first 1743 subjects examined. Int J Obes v.17, p.503-12, 1993. 5. Segal A, Fandiño J. Indicações e contra-indicações das operações bariátricas. Rev Bras Psiquiatr 2002, v.24, suppl 3. 6. Tolonen P; Victorzon M; Mäkelä J. Impact of laparoscopic adjustable gastric banding for morbid obesity on disease-specific and health-related quality of life. Obes Surg. 2004, v.14, p.788-95. 7. Hernandez-Estefania R, Gonzalez-Lamuno D,Garcia-Ribes M et al. Variables affecting BMI evolution at 2 and 5 years after vertical banded gastroplasty. Obes Surg. 2000, v.10, p.160-6. 8. Howard L, Malone M, Michalek A et al. Gastric bypass and vertical banded gastroplasty - a prospective randomized comparison and 5-year follow-up. Obes Surg. 1995, v.5, p.55-60.
Assim, a cirurgia tem se mostrado como a única alternativa para manter a perda por longos períodos. Deste modo, devido aos benefícios trazidos, este tipo de intervenção vem aumentando a sua freqüência em todo o mundo.
A presença da obesidade grau III está associada à piora da qualidade de vida, a alta freqüência de comorbidade, a redução da expectativa de vida e a grande probabilidade de fracasso dos tratamentos menos invasivos.3 A indicação do tratamento cirúrgico deve basear-se numa análise abrangente de múltiplos aspectos clínicos do doente. A avaliação desses pacientes no pré e pós-operatório deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar.
Quanto a critérios psicológicos e/ou psiquiátricos de exclusão para pacientes candidatos à cirurgia bariátrica, não há um consenso na literatura. Cada equipe multidisciplinar parece usar seus próprios critérios. Transtornos psiquiátricos agudos e graves, tais como, surtos psicóticos, dependência de substâncias psicoativas, depressão e ansiedade são comumente considerados contra-indicações para o procedimento. Contudo não há dados precisos nem fatores preditivos de bom ou mau prognóstico adequadamente estudados e comprovados.5
Havendo uma intervenção farmacológica por parte do psiquiatra, esse paciente deverá ter acompanhamento pré e pós-operatório, de acordo com o planejamento terapêutico até a sua alta. Não é freqüente o aparecimento de sintomatologia psiquiátrica no pós-operatório; em geral a sintomatologia é anterior à cirurgia.
Considera-se que nenhum transtorno psiquiátrico seja uma contra-indicação formal primária para a realização do procedimento. No entanto, recomenda-se que qualquer condição psiquiátrica associada deve ser adequadamente tratada no paciente candidato à cirurgia.